Traduzindo

quinta-feira, janeiro 27, 2011

Duelo na praça

Ás vezes, algumas coisas acontecem comigo e eu quase não acredito que estejam realmente acontecendo. Fico meio perdido, imaginando se é mesmo real, se é alguma pegadinha ou mal entendido. Dia desses aconteceu mais uma dessas, de transitar entre o super surreal, imaginário, fantasioso. Parece até coisa de cronista muito do fantasioso...

Passava pelo coração da cidade de Fortaleza, a Praça do Ferreira, palco de vaia ao sol, da Banca do Bodinho, da Coluna da Hora, do Cine São Luís e de tantas outras construções históricas importantes, assim como espaço genuíno de molecagens cearenses. Como o sol castigava, procurei um abrigo e fui chegando perto de uma tenda montada por ali. Algumas poucas pessoas rodeavam alguém. Cheguei perto e dei de cara com um homem de viola em punho a jogar alguns versos para o ar. Um repentista.

Curioso e admirador do repente, cheguei mais perto para ver. Engraçado, para toda manifestação em praça, sempre tem gente para formar a platéia. Sempre me perguntava se esse pessoal não tinha outras coisas para fazer. Já que fui um deles, descobri: eles têm outras coisas para fazer, mas dá tempo de ajudar as manifestações populares e rir um pouco das presepadas dos outros.

Não havia mais de dez pessoas, na maioria, homens. Camisas sociais abertas, calças marrons e pretas, sapatos sociais ou chinelas, assim estavam alguns deles. Assim que me aproximei, o repentista, gaiato, mandou logo essa. “Minha gente querida/ a brincadeira vai começar/ chegou um caba famoso/e vocês podem reparar// É você mesmo, meu filho/ pela roupa é um crente/ vocês não acham, pessoal/ ele a cara do Tom Hanks?”.

Eu fiquei meio no ar nessa hora. Não sei o que meio veio à cabeça primeiro. Transitei entre dois pensamentos: “Que porcaria é essa?” e “que rima é essa de crente com Tom Hanks?”. Não satisfeito e reparando todos a olhar em minha direção, arrematou: “É você mesmo, querido/ não se faça de abestado/ você agora é mais um/ a provar do meu rimado”.

Sorri, pensando: “Isso lá é jeito de fazer repente?”. Não lembro de ter visto repentista mais besta, sem graça e agressivo. Não sabe fazer repente sem avacalhar com os outros? Não sei por qual razão, respondi assim: “Meu querido repentista/ mais cuidado com a rima/ desse jeito que tu versa/ nenhum povo se anima”. As pessoas começaram a rir e ele se enfezou.

“Mas então, meu filho, diga/ como é que se faz uma rima/ é com essa cara de lombriga/ e com esse jeito de menina?”. E a viola no brem, brem, brem. E respondi: “Eu pensei com muito gosto/ se podia te ajudar/ mas com tanta agressividade/ eu assim não sei rimar// Ao que me parece deseja/ um duelo em plena praça/ dou-lhe tempo de correr/ e evitar a desgraça// A tua viola mal chora/ e a tua rima não cola/ vai embora enquanto é hora/ e vê se não mais me amola// Tem tanta coisa bonita/ pra colocar num repente/ vê se fala das mulheres/ ou da nossa bonita gente// Admiro o repente/ e também os repentistas/ mas não aturo é essa gente/ rimador oportunista//. E os cearenses genuínos fizeram: ieeei! A parte chata: quando eu falava a viola não fazia o brem, brem, brem. Triste isso.

Ele passou um tempo tocando, pensando, olhando pra mim com uma vontade de matar alguém. Aí cantou: “meu magrelo querido/ torto feito um berimbau/ as tuas rimas que são fracas/ faz favor não leve a mal// Vamos parar com a rima/ que tu tá apanhando feio/ acho que pra combinar com tua feiúra/ vê se olha prum ‘espeio’// O duelo tá acabado/ não preciso dizer quem venceu/ pra todo mundo tá provado/ que o melhor aqui sou eu//. E tome brem na viola.

Nesse momento, já havia um número maior de pessoas observando. Ele, com o peito estufado, disse que acabou, mas continuou tocando a viola para me provocar. Antes de sair, sorri e fiz um movimento de reverência para dizer: “Meu querido ‘rimador’/ eu gostei da sensatez/ pra acabar com o duelo/ mostrou toda a rapidez// Com certeza fui vencido/ e quem sabe humilhado/ todo o povo concorda/ em quem foi o derrotado// Antes de ir embora/ deixo um conselho de verdade/ aproveite bem a vida/ e não esqueça a humildade//. E fui embora, assobiando um velho repente do querido Patativa...
=]

10 comentários:

Jéssica Trabuco disse...

ISSO ACONTECEU MESMO?
Porque.. EU SOU SUA FÃ! hauhauha

Adorei !

ps: tem dois selos e um joguinho pra vc no meu blog :D

lorena disse...

Meu repentista favorito. Se nada der certo, vamos pra praça viver de repente? rsrs


eu sou fã de repente, dos teus nem se fala.

Gisa Carvalho disse...

Ai que lindooooooooo! rafa, quero te pesquisar! Ai, amo repente, cordel, poesia popular! Sorri o tempo todo ao ler-te hoje, acho que pra compensar o dia das lágrimas, né? rsrsrrss Repente me emociona de verdade, até esses assim de briga...

garotadefloral disse...

me conta isso aconteceu mesmo?
pasmei aqui
kkkkkkkkkkkkkkkkk
ri mto mto mtoo
quero ver mais repentes!

Carla P.S. disse...

Adoro teu alto astral, que irradia pelos posts.
Adoro tb teus comentários sensíveis e elaborados no meu blog, cada cafezinho tomado delicadamente! Obrigada pelas visitas, tu tens muito talento e resolvi vir aqui dizer isso.
Um café, apesar do calor,sempre é bom pra inspirar..
Beijos!

Leni.com disse...

kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk....parabéns pela coragem e boas rimas! Obrigada..tava precisando rir hoje.

Leni.com disse...

PARABÉNS!!!

Anônimo disse...

E nao eh que vc parece o Tom hanks =O!!!!!!

Raquel Dantas disse...

fantástico, repentista!
e tome rima nele.
fazia tempo que não passava por aqui.
só sorrisos! :)

Juss disse...

CA-RAM-BA! *-*

TU É FODA, CARA!

Véio, se isso aconteceu mesmo, poxa! Fantástico! Merece aplausos. =)