Traduzindo

sexta-feira, julho 27, 2012

Traição

Esperava na fila do banco quando duas mulheres chegaram: uma gordinha e morena e uma magrinha e branquinha. Conversavam muito animadamente, faziam gestos, caras e bocas. E riam. Muito. Simpatizei com as duas, pois me fizeram rir um pouco e quebraram a chatice e a tensão do ambiente.

Então, começaram a falar mais baixo, trocando olhares desconfiados e falando bem próximas uma da outra. Deveria ser um segredo bem pesado. A magrinha balançava a cabeça negativamente enquanto a gordinha fazia caretas e mais caretas como se não estivesse gostando de alguma coisa. Começou a se exaltar, a falar mais alto e a gesticular mais. Até falar em alto e bom tom, girando um dedo no ar:

- Mulher, o seguinte é esse: uma amante aceita qualquer coisa, menos traição. Ah, mas não aceita mesmo. Não aceita de jeito maneira.

E ficou com uma cara enfezada, de poucos amigos e muitos inimigos. Começou a resmungar com a magrinha:

- Não tô dizendo mesmo... Falta de vergonha isso...
- Mulher, deixa isso pra lá... Ele não presta não...
- Ah, mas ele presta, presta demais! É que tu não conhece...
- Ele não é homem pra ti não! Vai atrás de outro...
- Quê?!! Homem meu, é meu até o fim!

E a mais fortinha seguia bufando feito um touro, enquanto a magrinha, com cara de ser bem paz e amor, tentava acalmá-la.

- Amiga, tem calma, por favor...
- Eu descobri que o safado tem outra. Outra! Como é que pode?
- Ah, mas eu conheço a outra...
- Conhece? Você conhece? Conta agoooora!
- Oura, é tu.
- Sim, esperta, fora eu...
- Conheço também...
- Quem é essa futura morta?
- É a mulher dele...
- Mulher, ou tu é muito lesada mesmo ou tu tá frescando com a minha cara. Acorda! Eu descobri que ele tem outra “outra”, quer dizer, outra além de mim, a outra oficial.
- Aff... Tem gente demais nessa história, é “outra” demais pra minha cabeça...

E a morena continuava enfezada, batendo o pé no chão e falando barbaridades sobre o tal sujeito. Eu juro, não queria participar e nem escutar nada, mas não tinha como, elas estava muito perto e eu ficava o tempo todo fingindo não estar escutando.

- Mulher, sabe de uma coisa? Eu vou é até o trabalho dele e esperar o horário de almoço pra perguntar direto pra ele quem ele pensa que é pra me trocar por uma qualquer! E eu quero é que ele negue! Eu quero!

- Amiga, deixa isso pra lá, larga esse homem. Ele é cilada. Casado já. Deixe ele, a outra e a mulher dele pra lá! Vai atrás de quem te valoriza como mulher, te respeita e te quer bem de verdade. Procura algum homem de verdade e larga esse cafajeste!

-Amiga, tu arrasa mesmo. Falou e disse. Eu vou fazer isso mesmo. Vou agora mesmo esperar ele sair pro almoço e dizer pra ele que tá tudo acabado! Se duvidar, ele ainda ganha umas mãozadas, só pra ver se deixa de ser canalha. Fique tranquila, amiga, não vou voltar pra ele não. Depois disso, nunca mais vou querer ver aquela cara feia dele!

- Isso, mulher, chuta que é macumba!

Nisso, a morena foi embora e a branquinha ficou. Esperou a amiga sair do banco, pegou a bolsa, tirou o telefone, discou alguns números e começou a falar:

- “Oi, amor” uma ova! Tá com amante nova, é? Tá me traindo, seu cachorro? Bora, canta o jogo, quem é essa? Como é? Quem é?...

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quinta-feira, julho 19, 2012

A grande causa

- Então, companheiro, qual é a tua causa?
- Oura, a minha causa é o amor.

- O companheiro tá de gozação comigo?
- Jamais! Longe mim! Eu sou um homem sério! E se ficar melhor, pode acrescentar aí: paixão, desejo, tesão, essas coisas...

- Se o senhor não se explicar eu vou pedir para...
- Opa! Mas é tudo verdade! Se não fosse o amor do meu pai pela minha mãe, e também a paixão, desejo, tesão, essas coisas, eu não estaria por aqui. E posso ser até mais específico. Coloque aí que foi uma mistura de óvulo com espermatozoide, uns cromossomos, acho que X e Y, e pode ter uns Z e outras letras mais...

- Meu companheiro, qual é a causa pela qual você luta? Essa é a causa que nos interessa!
- Ah, rapaz, eu pensei que era a minha causa, quer dizer, o que me causou, entendeu, né? Peço desculpas. Bom, a minha causa... A minha causa... Coloque aí que a minha causa é um mundo melhor.

- Como?
- Como? Ora, com uma divisão mais igualitária das riquezas, pois o grande mal desse mundo é a concentração de renda. Em alguns lugares tem gente morrendo de fome, em outros, alimentos sendo estragados. Assim não dá. Tem mais, a natureza tá se acabando. Nós precisamos fazer alguma coisa. Outro grande mal do mundo é a falta de amor. Sim, pois precisamos muito do amor. Já diz a música: tudo que nós precisamos é amor...

- Pois bem, e o que o senhor está fazendo por esse mundo melhor?
- Assim, recentemente, só compartilhando umas coisas pela internet, porque eu ando meio sem tempo e também não posso sair do trabalho pra ir pras manifestações. E tem aquele sol, né? Poxa, forte demais! No campo geral, compartilho essas mensagens bonitas e ajudo algumas ONGs. E saio por aí espalhando minha simpatia, mesmo não sabendo como isso faz o mundo melhor. Enfim, eu tento.

- E o que o senhor anda fazendo pela natureza?
- Não jogando lixo nas ruas e economizando água. Tomando menos banhos. Brincadeira. Sim, o principal: andando de ônibus. Tudo bem que não tenho carro, mas acho que já é alguma coisa. Prestigiar o transporte coletivo, né? Acho que já é alguma coisa sim...

- Então, senhor, precisamos finalizar a entrevista. Nosso objetivo nesses mutirões em praças é conseguir o maior número possível de aliados. Para finalizar, o senhor quer entrar em nosso partido por qual motivo?
- Ah, é um partido? Rapaz, então foi engano, eu pensei que o senhor era do Ibope...
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quarta-feira, julho 04, 2012

Quando o dia é bom

O dia não é bom quando começa com o vizinho ligando a TV, o som e o liquidificador ao mesmo tempo. Não melhora quando ele insiste em arrumar as crianças, chamando-as aos gritos e falando ao telefone, em alto e bom som, para toda a vizinhança escutar as atrocidades cometidas por ele no trânsito ou na empresa onde trabalha.

Falando em trânsito, o dia não é bom quando você sai de casa todo arrumado e perfumado e precisa entrar e ser espremido no coletivo para chegar ao trabalho. Ele não melhora quando você tem a oportunidade de pegar o carro e, dez minutos depois, dá de cara com um engarrafamento quilométrico. Não fica melhor quando um motoqueiro leva o seu retrovisor ou um flanelinha insiste em lavar o vidro e acaba por sujá-lo mais, fazendo cara feia por conta da pequena contribuição.

Falando em contribuição pequena, o dia não é bom quando as pessoas só chegam perto de você para reclamar da falta de dinheiro, mesmo ganhando bem. Elas não reclamam da falta de planejamento, reclamam somente da “má sorte” de terem necessidades econômicas fortes. Não melhora quando a pessoa não reclama apenas da falta de dinheiro: reclama de tudo.

Dinheiro, marido, mulher, filhos, pais, cachorros, papagaios, trabalhos, namorados, amantes, frio, calor, gordura, magreza e um mau humor que de longe dá pra ver uma nuvem negra. Não fica melhor quando você percebe que a pessoa passou o dia inteiro sem rir ou sorrir de nada.

Falando em rir, o dia não é bom quando na hora do almoço todos insistem em contar somente desgraças. Tudo bem que o mundo não é feito só de alegrias, mas não tem como deixar o horário um pouco mais leve? Já bastam as notícias ruins que só faltam espirrar sangue no noticiário...

Outra coisa, o dia não é bom quando nós temos uma reunião extremamente longa de trabalho na qual as pessoas não se respeitam. Não querem escutar, só querem falar e só querem estar certas. Não melhora quando os problemas não são resolvidos e as discussões não cessam, mesmo após uma tarde inteira na reunião. E, depois de tudo, o clima fica tão frio que nem com o ar-condicionado desligado ele ficaria mais ameno.

Na verdade, o dia é bom quando, apesar de tudo isso, a gente não se deixa abater. Quando a gente consegue rir um pouco e ficar perto de pessoas legais. E melhora quando você chega em casa e encontra a família toda lá, mesmo cada um em um canto fazendo uma coisa diferente. E fica melhor ainda quando encontramos com nossos amigos, no mundo real ou virtual. E fica per-fei-to quando você atende o telefone e escuta: Oi, amor.
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