Traduzindo

sábado, fevereiro 05, 2011

Jorginho

Jorginho nunca fez nada de mais na vida. O dia mais importante para ele, talvez, foi o dia de seu nascimento. E quem sabe, pois ele mesmo não lembra de nada disso. Depois daí, não tem tido muito consciência da vida, do futuro. Ele agora está com oito anos, mas já viveu mais do que muita gente. Tem experiência e experiências que parecem únicas, mas são comuns a muitos dos garotos moradores de rua. Conhece muito da vida e talvez nem tanto do mundo. Ou quem sabe, o inverso. Já viu muita gente boa e muita gente ruim. Infelizmente, mais pessoas ruins, embora tenha consciência das pessoas boas espalhadas por esse mundo tão grande.

Esses dias, perambulava pelas ruas de um bairro novo. Com ele, apenas um calção azul, assim como o céu, e a vontade de viver. Correu com os cachorros, chutou poças d’água, bagunçou folhas em quintais e espalhou lixo por aí. Estava alegre, conseguiu uns trocados pedindo em um sinal, um ponto zerinho em folha, e agora tinha dinheiro para comprar um pão. Um pão. Caminhando pelas ruas enquanto mastigava calmamente, deparou-se com uma loja de animais. Parou em frente às inúmeras gaiolas. Começou a observar.

Olhou para os cachorros presos, cachorros assim como os que corriam com ele há pouco tempo. Filhotes, loucos para sair dali e correr por aí como ele faz. Olhou para os pássaros presos e começou a pensar na maldade de se manter um bicho com asas preso. “Se eu pudesse voar, nunca que ficaria preso. Sou mais morrer”. Com todo o infinito céu para ganhar, como manter um animal desses enjaulado?

Olhou para o coelho de grandes orelhas e olhos vermelhos e ficou a se perguntar: “que olhos mais vermelhos! Será que tá doente ou fumou um?”, e começou a rir. “Com essas orelhas, dá pra escutar os ‘homi’ chegando de longe”. Era criança, mas já conhecia muita coisa da vida e dos homens e mulheres. Mais parecia um capitão da areia, como nos contou o mestre Jorge Amado.

Jorginho, menino bom, corrompido pela vida e pelos homens, teve uma chance de mudar de vida. Andava à toa pelas ruas quando uma senhora deixou cair uma gorda carteira, provavelmente, cheia de dinheiro. Apanhou a carteira e ficou olhando, pensativo. A senhora, cheia de ouros e diamantes, aproximou-se: “Obrigada, meu filho”. Era a grande chance, poderia até ser adotado pela bondosa mulher e ter um lugar para chamar de lar. Virar um garoto normal, ir à escola. Foi rápido. “Brigado nada, tia. Vacilou!”. E saiu correndo com toda a rapidez possível, para aproveitar a, quem sabe, curta e perigosa vida...
=]

5 comentários:

Jéssica Trabuco disse...

Eu estava lendo o texto e com o pensamento em capitães da areia, até que você o mencionou.
Esses meninos das nossas ruas são grandes homens.
É uma pena estarem marginalizados... uma penas estarmos os marginalizando.
Bom texto :)

Anônimo disse...

Conheço muitos Jorginhos.

C.M disse...

surpreendente

Unknown disse...

Mto legal!
É isso ai
Bjos querido!
=)

Katherine disse...

SAbe Rafa.. quantas vezes desejamos mudar os finais, mudar as frases e a coposição do mundo em que nos encontramos, mas é difícil isso, e cansa o fato das histórias muitas vezes se repetirem, por vivências parecidas e nada muda, parace que vivemos em dias estagnados pela constante desigualdade, o vazio, e a consciência que muitas vezes faz eu papel e na hora "H" o desejo por vida fala mais alto que qualquer desejo de fazer o certo... continuemos nossa jornada fazendo a nossa parte e mais um pouco até.

bjs
Ps:. adorei o que escreveu para mim no outro post meu.. eu tbm queria poder mudar o que eu escrevi, mas estou perto disso srs eu te mantenho informado. rs