Traduzindo

terça-feira, setembro 25, 2007

O tempo não afasta

Quem sou eu? Deixe-me pensar um pouco... Aviso logo, preciso escrever. Quem puder parar de ler é melhor parar agora. Sinto muito, mas eu preciso escrever. É uma necessidade. É algo que está na cabeça e precisa sair, precisa ir embora. Ir embora antes do bar fechar, antes do mel acabar, antes da gota delirante tocar o chão, ante do sol se pôr, antes de fechar os olhos e perder a razão...

Bom, está tudo escuro. O chão é duro. Escuto coisas estranhas. Pessoas querendo, ou melhor, tentando falar algo. Um raio ilumina tudo. Todos com cabelos e barbas grandes (será que é alguma manifestação da esquerda?), vestidos com pele de animais.Tenho uma clava na mão, ou será um tacape? Bom, é uma arma. Meu Deus... é a Pré-história. Sou um homem das cavernas.

Saio pra caçar em grupos e vivo a minha curta vida perigosamente. Sou feliz. E tu está lá também. Mesmo naqueles tempos teu cabelo é liso e negro, negro não como a asa da graúna, mas como a noite que chega quando o sol vai deitar. A vida é curta para a gente, para todos. A morte chega de forma rápida, ninguém aqui vive muito. A partida é algo natural. Estamos de volta ao escuro.

E de repente fez-se a luz. Eu sou poeta. Minha arma é minha palavra. Roupas estranhas, não menos que as companhias. Faço poemas épicos, engrandeço reis, apresento heróis e tenho minha musa, filha do Rei. Faço poemas de amigo. São para ti, não se engane. E o rei começa a enganar o povo. E eu começo a espalhar a desordem, o povo está furioso. Cabeças vão rolar e a minha foi a primeira apenas para implantar o terror entre os dissidentes. E mais uma vez eu volto para a escuridão.

Meus olhos mais uma vez estão abertos. É abafado aqui. Difícil mover o corpo. Tenho uma lança e um cavalo. Uma armadura também. Minha vida é lutar. Sou cavaleiro, fiel ao Rei e à Rainha. Meu corpo e alma são devotados ao reino. Meu coração é da camponesa que todos os dias passa pelo estábulo e me lança um olhar que paralisa. Enfrento exércitos de assassinos, de selvagens. Mas na hora de falar com ela minhas pernas tremem. Ainda consigo. Mas o nosso rei obedece ao papa. Agora irei fazer parte das Cruzadas. Morte aos infiéis. Eu vou, mas meu coração fica. A inevitável, enfim, chega. Vou feliz por estar lutando, mas triste por não ter vencido a batalha contra meu coração.

Minha nossa, que luz é essa que chega e ilumina tudo. Será a luz do Senhor? Não, deixe pra lá. É o brilho do ouro. Sou um sultão. Aproveito a vida como ninguém. Tenho mil mulheres. Riquezas que não têm fim. Mas algo inesperado acontece. Das mil mulheres quero apenas uma. E por querer apenas uma é que irei morrer. As outras não se contentam com a boa vida que lhes dou. Sou traído. Bebo algo antes de deitar e parto para um sono profundo e sem fim

Ah, agora sou índio. Vivo pelado pintado de verde num eterno domingo (isso é uma música?). Sou feliz. Tenho minha família. É a minha tribo. Ainda sou amigo do homem branco. Estou com a vida boa. Caçar, pescar, colher, comer, dormir. O que eu quero mais? Falta ela (sim, é você ainda). A filha de um homem branco poderoso. É meu amigo. Não tenho que me preocupar. Temos um caso. Sou índio, mas não burro. Podemos nos encontrar escondidos. Seu pai nada diz, mas ele já sabe. Até que um dia ele me chama pra conversar. Tudo vai bem. Ele diz não ser contra, apesar de todos falarem que é. Eu acredito nele. Vou indo embora. Meu coração parece que vai explodir. Mas o que explode mesmo é o tiro que recebo nas costas...

Mais uma vez vou embora. Nossa, calor de novo. Onde eu estou? Que roupa de couro é essa? E esse chapeuzinho engraçado? Espingardas e facões. Rapadura e farinha. Eita... lá vem confusão.

Sertão, aí vamos nós. O capitão manda e nós obedecemos. Ele e a Maria dele. O Diabo Loiro também comanda. Vamos seguindo, fazendo saques e matando gente. Morre um a gente substitui por outro. Somos imortais e invencíveis. Não há coronel ou polícia que nos segure. Falta algo... Acho que fiz besteira. Matei um casal de velhos. Eles tentaram me matar, me confundiram com algum bandido. E agora quem vai tomar conta da filha deles? Acho que eu posso fazer isso. Ela já não é menina, é mulher. Ela é teimosa. Briga e reclama demais. Quer lutar com a gente. Onde já se viu? Mal chegou e já acha que agüenta o combate. Eu tenho medo de dar uma arma pra ela e ela atirar em mim. Mas o capitão mandou a gente obedece. Ela até que não é mal. Eita, só mais essa ação e nós damos um tempo pra curtir. Podem estremecer, macacada, vocês tão perdidos... Perdidos ficamos nós. Era uma emboscada. Mais uma vez de volta ao escuro.

Gritos. O que será isso? Passo a mão no rosto. Barba e cabelos grandes. Pré-história de novo? Roupas justas. Arma. Cangaço de novo? Gritos novamente. Algo como “luta”, “companheiros”, “Araguaia”... Ah, sou guerrilheiro. Gostei. Vamos à luta. Humm... quem é essa companheira do meu lado? Oi? Tudo bem? Você vem sempre aqui? Certo. Combinado. Depois da resistência ao ataque de hoje a gente conversa melhor. O quê? Vai me emprestar tua arma? Obrigado, vou usá-la com carinho. Opressores, tremei!... É, não deu. Dessa vez você se foi antes. Algumas balas antes.

Agora eu estou aqui. Sem armadura, sem armas, sem pinturas, sem roupas justas, de couro. Falta algo. Falta alguém. Falta Você...Tenho minha vida. Estranha e louca e simples vida. Minha família e amigos. Os rótulos eu deixo para os produtos. Eu sou vários e sou nenhum. Eu tenho tudo e tenho nada. Sempre em processo de desconstrução e construção. O final não combina com o texto, mas é porque certas coisas devem ficar no ar....

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