Traduzindo

terça-feira, janeiro 31, 2012

“Você é um anjo bom”

Esses dias de chuva me deixam mais saudosista e reflexivo. Fico a lembrar da infância. Quando chovia, havia sempre a possibilidade de ficar em casa. “É, está chovendo muito forte, melhor você ficar em casa”, dizia minha mãe. E eu e meus irmãos virávamos a casa de pernas pro ar. Depois de uns gritos, chineladas e promessas de castigo, tudo voltava ao normal.

Ainda na faculdade, chuva significava a mesma coisa. “Professor, chovia forte demais e não consegui sair de casa”, e ele aceitava sem problemas. Em casa, aproveitava para arrumar as coisas e estudar, em cinco minutos. No tempo restante, ficava na janela a olhar a chuva cair e colocava o braço pra fora só para sentir a água. Voltava para debaixo do edredon e começava a sonhar acordado.

Já hoje em dia, chuva ou sol significam a mesma coisa: trabalho. Ontem foi um dia diferente. Até tentei sair de casa mais cedo, mas não consegui. Ao chegar na porta de casa, percebi que não conseguiria nem ao menos atravessar a pista: tudo alagado. Ou o vira-lata do vizinho estava sendo carregado pela correnteza, ou ele estava aprendendo a nadar de uma maneira bem radical.

Depois de uma suavizada, fui pegar o coletivo. A pior parte desses dias é o acessório extra: o guarda-chuva. Sou atrapalhado por natureza e essa bagagem a mais só complica. Sempre ficava todo molhado por demorar a abrir o guarda-chuva ou por acabar esquecendo em algum lugar.

Hoje, depois de alguns anos de treino, estou mais profissional. Tenho um pretinho básico, tamanho P, suficiente para mim e para uma carona, embora os dois fiquem um pouco molhados. Só o fato dele caber na mochila já está bom demais.

Ah, o acontecimento diferente, não é? No mesmo ônibus, subiu uma senhora, companheira de outras viagens. Certa vez, ajudei-a com as compras de supermercado. Um obrigado e nada mais. Dessa vez foi diferente. Ela estava sem guarda-chuva. Eu não. Ofereci carona e lá fomos nós rumo ao desconhecido, pelo menos pra mim.

Durante a caminhada, ela me explicava os perigos das calçadas molhadas para as pessoas de certa idade. Calçadas altas, destruídas, armadilhas para os mais velhos. Além disso, ela me explicou a diferença entre catarata e glaucoma e os benefícios da hidroginástica. “Já não ando com a vista boa, meu filho”. “Não seria melhor alguém acompanhar a senhora na hora de ir e voltar da hidroginástica?”. “Até seria, mas minha sobrinha não tem tempo. Quando não está estudando, ela... Ela não tem tempo...”.

Caminhamos uns bons quinze minutos, com ela apoiando-se em meu braço, até chegarmos ao condomínio de casas fechadas onde ela mora. “Aqui já dá, agora é só chegar em casa e tá tudo bem”. “Mas a senhora vai se molhar”. “Não tem problema, eu troco de roupa ao chegar em casa”. “Dona Rachel, não saia nessa chuva não! Valeu pela ajuda, amigo!”, gritou o porteiro.

“Não foi nada, não há de quê. A senhora tem certeza de que não quer uma carona até a porta de casa?”. “Muito obrigada, meu filho. Você nem imagina quão grande foi sua ajuda, e não só pela proteção da chuva e apoio. Você é um anjo bom”. Sorri. E comecei a pensar que eu ainda posso ser uma boa pessoa...
=]

2 comentários:

Helena Rodrigues disse...

Todos temos salvação! Ainda dá tempo para comprar o lugarzinho no céu ;)

Brincadeiras à parte, adorei o texto... como sempre, aliás.

Bjão.

Rafael disse...

Diferença entre Catarata e Glaucoma e os benefícios da hidroginástica hahahaha muito bom, belíssima portagem