Traduzindo

domingo, junho 19, 2011

Assalto

- E ele mostrou a arma?
- Mostrou.

- E você fez o quê?
- Oura, olhei, né? E me tremi todinho.

- E ele fez o quê?
- Bom, pra resumir, foi assim. Eu tava esperando o ônibus com meu amor. Aí ele desceu do ônibus e pediu dois reais. Não dei e ele mostrou a arma. Pediu emprestado, isso, emprestado, o celular. Tentou ligar e não dava certo. Ofereci ajuda e vi que ele estava ligando a cobrar. Disse assim: pode ligar normal que tem crédito. Aí ele combinou com os outros 39 ladrões onde iriam se encontrar e pediu para avisar ao Ali Bábá que iria atrasar. Agradeceu e ficou olhando para o celular sem entender bem. Comecei a explicar para ele como funcionava tudo. Como tirava foto, usava música, mandava mensagem. De longe parecia até que eu estava vendendo para ele. Começamos a conversar e ele contou ter vindo ou ter sido mandado do Sul Maravilha, Sampa, por estar muito danado por lá. Tentou se aquietar, mas não deu certo. Tinha acabado de vir de um assalto, alguém os dedurou e ele teve de fugir. Pegou o primeiro ônibus que apareceu e nos encontrou.

- E ele tava assim tão tranquilo?
- Até tava, graças a Deus. Acho que só não mais do que eu. Eu tava tão tranquilo que ele chegou a me perguntar se eu era policial. Frieza pura. Controle. E conversamos mais um pouco. Disse para ele ter cuidado com a arma, pois pela área passavam muitos policiais, o que era mentira, porque é mais fácil ver vaca dançando break no asfalto a um policial.

- Nossa. E ele levou só o celular?
- E foi só o celular mesmo, só o aparelho. Enquanto conversávamos, disse que eu poderia levar o chip. Acredito até que se tivesse pedido para ele não levar o celular, ele não teria levado. Quem sabe me dava até o dinheiro do meu ônibus?

- Ah, deixa de ser palhaço!
- Mas esse dia foi tranquilo, da outra vez uma dupla apontou a arma pra gente. Fiquei extremamente indignado! Fizeram meu amor chorar. E ainda nos apontaram uma arma! Uma arma! Enfim, foi uma porcaria, mas deu tudo certo, estamos vivos e felizes e isso é o que importa!

- E como chegamos nesse assunto mesmo?
- Ontem um amigo meu dizia que camburão não era transporte digno para presos.

- E você acha que é?
- Mas rapaz! E bandido tem direito a alguma coisa? Bandido bom é bandido morto!

- O que é isso rapaz? Como assim? Todo mundo merece uma segunda chance! E os direitos humanos? Somos todos irmãos.
- Mas que irmão de bandido o que, rapaz! Tu fala isso porque não foi contigo. Tu acha mesmo que meu irmão faria um negócio desses comigo? Se bem que Caim matou Abel, ou foi o contrário, bem, não importa. Pois sim. É fácil falar quando não se passar pela situação. E esses direitos humanos de direito e de humano não tem nada! Só fica do lado dos bandidos ora... Policial morre e nada dele, aí o bandido morre e vem o direitos humanos. Isso tá errado.

- Mas eles são vítimas! A culpa mesmo é do sistema. Eles não têm oportunidades e acabam indo pro mundo do crime.
- Mas não é assim não, mas que história é essa! Tudo bem, o sistema é do mal, prejudica muita gente, tem muita culpa no cartório, mas não é bem assim não. Se fosse assim, todo pobre era ladrão, e como tem muita gente pobre no nosso país, seríamos uma nação de ladrões! Esses optam pelo caminho mais fácil.

-Você está dizendo besteira, não é fácil roubar ou matar alguém.
- Cara, hoje em dia estão matando pra roubar um celular, uma chinela ou até mesmo nem roubar nada. Não dão o mínimo valor pra vida. Tu acha mesmo mais fácil tentar sustentar uma família com um salário mínimo? Sustentar não sei quantas pessoas com um salário mínimo? Tu acha que é fácil ser honesto e trabalhador num país em que os maus exemplos são maioria? Num país cheio de corruptos que ficam com a maior parte das nossas riquezas?

- Mas eles são vítimas...
- Vítimas somos nós nas mãos desses marginais! E dos políticos também, que não fazem nada! Nada! Eu passo a semana trabalhando, pegando não sei quantos ônibus, fazendo os trabalhos mais diversos, aí vem um cara desses, bota arma na cabeça e ainda chama a gente de vagabundo, vagabundo! Nós? Que passamos a semana trabalhando? É brincadeira...

- Olha, desculpa, mas se você se acalmar e refletir melhor vai ver que não é sensato sair matando bandido por aí que isso não resolve nada. O problema não se resolve assim...
- Certo, perdi a cabeça. Foi-se o tempo da Lei de Talião. Retiro a parte de sair matando bandido por aí, mas é porque é muito revoltante. Eu sei que o problema se resolve com educação, oportunidade de emprego e tudo mais. Certo, eles são vítimas, como nós, desses governantes corruptos. Ao invés de querer acabar com os bandidos com a morte, vamos usar a educação!

- Os dois! Calados! Isso é um assalto! Tirem as coisas do bolso, rápido! E nada de gracinhas, eu não quero ver nenhum herói.
- ...
- ...
=]

8 comentários:

Ju Fuzetto disse...

Oi obrigada pela visita!

Parabéns sua escrita é impecável!! De tirar o chapéu. Adorei teu espaço!


voltarei mais. bjo

Juss disse...

Textos com uma leitura agradável e um final sempre surpreendente.

Eis as crônicas do Rafael.

Josi Puchalski disse...

Hehehehe Amei. Como sempre. :-)

Anônimo disse...

Ser assaltado é muito revoltatnte!Isso aconteceu comigo e meu pai ficou p***!Mas fazer o que, né?Hoje em dia amigo, matam por qualquer coisa!melhore levarem meu celular, do que eu negar e levarem minha vida!

Helena Rodrigues disse...

E o pior de tudo é que a cada dia as técnicas de assalto estão se aprimorando, isso sim!
Adorei o final =D

Bjão.

Tamyle Ferraz disse...

Lembro dessa história.

Seria trágico se não fosse engraçado.

Anônimo disse...

ótima crônica
bem realista
tem um dom grande viu moço.
parabéns



http://rgqueen.blogspot.com/

Jéssica Trabuco disse...

nossa.. e pior que é assim mesmo.
Estamos num país onde criamos os ladrões para depois puní-los.
E o que fazer?
Ninguém mais sabe.