Traduzindo

domingo, novembro 02, 2014

Domingo

É domingo. "Ninguém trabalha", "ninguém faz nada", dizem por aí. “É um dia inútil”, falam alguns. O relógio marca 7h39 quando pego o 405 - Parque Dois Irmãos/Expedicionários no começo da linha. O bom dia do cobrador é animado e o motorista liga o rádio e aumenta o volume. “Pra dar uma animada, né?”, fala, olhando para trás por um dos espelhos internos. “Essa vai ser rápida. Pra volta, já deixei duas tapiocas pra gente reservadas com o tapioqueiro”, complemente.

Enquanto seguimos nosso trajeto, rumo ao Centro, o domingo de manhã vai se exibindo. No primeiro campinho de futebol, ex-depósito de lixo, os coroas já estão todos com a camisa laranja do time. Batem bola enquanto esperam o time adversário. Todos descalços, alguns em forma e outros com uma barriguinha saliente.

No campinho mais à frente, alguns adolescentes fazem a vistoria das redes de um dos gols. Estão bem arrumados, com calça jeans e sapato. Devem ter passado rapidamente só para dar uma ajuda, talvez. Dessa vez, os astros são bem mais jovens. Devem ter no máximo uns 12 anos. Conversam enquanto vestem meiões e chuteiras e alguns já estão em cima de uma árvore, rindo despreocupadamente. O motorista suspira: “Ê tempo bom”.

Seguindo caminho, vi que o cabeleireiro já está sentado em uma cadeira na calçada, esperando possíveis clientes para um serviço e uma conversa. No ponto ao lado, o bodegueiro já está conversando e segurando o troco para um cliente. A moça do açougue acabou de tirar o último cadeado.

Não sigo só no ônibus. Não sigo só no coletivo. Subiu um pessoal bem arrumado e cheiroso, com bíblias, roupas sociais e algumas saias jeans até o joelho. Alguns vão em silêncio e outros vão conversando amenidades. Duas paradas depois, mais gente chegando: dessa vez, estilo moda praia. O cheiro de protetor solar briga com o dos variados perfumes.

Dá pra ver um senhor varrendo a calçada, uma jovem jogando água em outra calçada, um rapaz cuidando de um pequeno jardim e uma moça desobstruindo o caminho da água no asfalto. O vendedor de verduras passa e cruza com o rapaz da chegadinha, raridade hoje em dia. O vendedor de algodão-doce caminha lentamente e uma senhora empurra um carrinho de pipoca.

A minha parada chega. “Valeu, irmão. Bom dia aí”, digo para o motorista. “Bom dia, minha joia. Se cuida!”, despede-se ele. O porteiro me entrega o jornal e o zelador pergunta se eu vi os gols de ontem. Um rapaz passa com um balde cheio d’água para lavar o carro. Vejo um amigo indo ao supermercado e outros indo para o cemitério. Hoje é domingo, hoje é Finados. Aposto que vai ter gente vendendo flores por lá.

É domingo. O relógio marca 8h04. "Ninguém trabalha", "ninguém faz nada", dizem por aí. “É um dia inútil”, falam alguns. Sigo para resolver minhas pendências. “Ninguém faz nada?”. Sei.

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