Traduzindo

domingo, dezembro 19, 2021

Quase cê perde

 Achava que o poeta vivia de versos
Pura calmaria
Tranquilidade
Sem pressa pra qualquer coisa
até mesmo falar

"Ele tem uma coisa
mexe com a gente, né?
mas nada a ver, mulher
ele faz poemas!"

Aí, quase cê perde

a sensação de perigo
o sussuro proibido
o revirar dos olhos
o delírio

o ardor na pele
a fervura interna
o derreter em si (e no outro)
virar bicho

as marcas na pele
e no pensamento
o tremer das pernas
e o esgotar do juízo






sábado, novembro 27, 2021

Pouco importa

Você nunca pergunta ao poeta
se é verdade
ou se é mentira

Se foi real
ou se é desejo

Pouca importa
realmente
o que diz o poeta

Vale mesmo
o que o poema
te fez sentir

O novo normal

Ontem, confesso
Não me reconheci
Quis devorar o teu corpo
e comer teu juízo

Hoje
de cabeça fria
percebi

É isso que eu quero
de novo
E esse forte desejo
é meu novo normal

Nossa história

Já escrevi demais
Quantas folhas
e canetas
desperdicei
nunca vou te falar

Depois de tantos textos
crônicas
contos
e poemas

Meu foco
agora
é escrever 
nossa história de amor

A gente se acha

Não vamos nos perder
Jamais
Mesmo cego, surdo e louco
Hei de te ver, sentir e amar

Não existe ausência

Em cada oportunidade
Grito ao mundo
O meu amor

Te levo comigo
Aonde eu for

Dormindo
Ou acordado
Sei que o sonho de uma vida inteira é real

terça-feira, setembro 14, 2021

Melhor que beijar na boca

 Seu Adriano era dono do mercadinho “Tudo fresco'', localizado uma rua atrás da minha. Nos conhecíamos desde quando eu usava fraldas, algo sempre lembrado por ele com muita alegria: 


- Meu cliente mais antigo! Esse aí vinha aqui só de fraldas e bagunçava tudo. Agora, só não usa mais fraldas, mas bagunça igual!


E sempre rolava uma conversa boa e muitos risos. Um clima e uma energia boas, além de produtos com bons preços, tornavam o mercadinho um lugar feliz. Esses dias estive por lá para comprar frutas. Frutas não, banana. E não tinha.


- Por que você não leva esse melão? Abri um deles hoje cedo e estava muito mais do que maravilhoso e perfeito.

- Sério? Tava tudo isso mesmo?


- Rapaz, tava melhor do que beijar na boca!

- Eita! Pois vou levar.


Nem gosto muito de melão, mas levei pela empolgação do Seu Adriano. Fui o caminho inteiro pensando: o que poderia ser melhor do que beijar na boca. Beijar de novo? Beijar muito?


Ora, existe realmente algo melhor do que dar um bom beijo na boca? Um beijo com o corpo colado, cheio de vontade, braço em volta da cintura, mão no pescoço ou em outro lugar... Enfim, não existe, não conheço. Cheguei em casa, lavei as mãos e parti o melão para comer. Parti com todo o respeito e um pouco nervoso. Tirei um bom pedaço e mordi com gosto. Ainda hoje não consigo descrever aquela sensação.


Fui ao céu. O corpo, feito um cometa subindo, estava completamente envolto em uma sensação de prazer. Como aquilo era possível? Como poderia ser verdade? Aquilo realmente era maravilhoso. Será que eu nunca tinha beijado na boca de verdade? Logo eu, segundo melhor beijo do ensino médio da escola e terceiro melhor da faculdade, em uma votação cujos votantes são desconhecidos até hoje?


Voltei ao mercadinho na mesma hora.


- Seu Adriano, como é possível?

- Somente quando encontrar teu verdadeiro amor e sofrer os tormentos vindos por conta de tal sentimento é que tu desvendarás esse mistério. O divino e misterioso prazer advindo da natureza há ainda de modificar a forma como vemos o mundo e encaramos uns aos outros.


- Como é que é?

- Brincadeira! É que esse melão é orgânico. Eu nem provei ainda, só fiz a propaganda e parece que consigo entrar na mente das pessoas hahaha.


quarta-feira, julho 28, 2021

Todos presentes, mas ausentes

 Assim estávamos

Uma mesa com cinco

mas sem ninguém


Julio falava com dois amantes

Carlos falava com o chefe

Ana via os investimentos

Tânia conversava com a mãe

E eu assistia a uma série


Tanta urgência

No meio do almoço

Que ninguém comeu, só engoliu (nem repararam na comida)


"É urgente,

não podem esperar"

O mais presente era o celular


Celular com café

No almoço

E no jantar


Redes sociais

Investimentos

Trabalho sem parar


E a vida?


A vida fica pra depois

Depois quando?

Melhor calar

quarta-feira, fevereiro 24, 2021

Ruindade

 - Mulher, tu viu? Aquela moça saiu com quase 100% de rejeição.
- Mulher, vi não ó. O que ela fez?

- Parece que ela foi muito ruim lá dentro, fez mal pra um monte de gente lá dentro.
- Hum.

- Tem tanta gente ruim nesse mundo, né?
- Mulher, ela chegou a chamar a Covid-19 de gripezinha?

- Não.
- Mandou o povo tomar cloroquina?

- Não.
- Incentivou o povo a se aglomerar sem usar máscara?

- Mulher, assim, ela tava no BBB, né? Então, tava aglomerada e sem máscara, mas acho que não conta.
- Ela empregou pessoas pra fazer o esquema de rachadinha?

- Não que eu saiba.
- Ela desviou dinheiro da igreja, enganando fiéis?

- Não sei.
- Ela mandou matar alguém?

- Ave Maria três vezes, sei disso não.
- Ela usou atestado médico falso? Traiu o marido ou esposa? Dirigiu embriagada? Incentivou o desmatamento e a pesca ilegal?

- Eu sei lá, tu tá doida é?
- Mulher, então, deixa pra lá. Tem muita gente pior.