Traduzindo

domingo, setembro 30, 2012

O sonhador e a princesa

Ainda era cedo, por volta das sete e meia da manhã de um sábado, mas o trânsito da Capital não dava mais folga em horário ou dia algum. Alberto não estava atrasado, saíra cedo de casa já pensando em evitar congestionamentos e chegar cedo ao consultório médico. A consulta com o clínico geral estava agendada há mais de um mês e já fora adiada diversas vezes. Precisava resolver o problema da dor nas costas. Aquilo estava acabando com o bom humor dele.

Para distrair, o aparelho de som do carro alternava músicas em formato mp3, numa verdadeira salada de gêneros musicais. Saiu de casa escutando “Tarde em Itapuã”. Na sequência, passou por “Is this Love”, “Cintura fina”, “Blood brothers”, “O beco”, “Disparada”, “Saudosa Maloca” e estava tocando “Lambada complicada” quando o semáforo avermelhou.

Estava na Avenida Borges de Melo e começou a reparar na grande quantidade de pessoas indo ou voltando da Rodoviária. Homens, mulheres e meninos com bolsas, sacolas e mochilas das mais diversas cores. Vestidos, bermudas, calças, saias, tênis, chinelos, bonés e chapéus faziam o vestuário dos viajantes.

Foi seguindo o movimento com os olhos até parar em uma banca de revistas. Sentada, à sombra de uma mangueira, uma figura lhe chamou a atenção. De pernas cruzadas, com blusa laranja e shortinho jeans, uma garota. A jovem possuía cabelos pretos, pernas bonitas e um olhar perdido. Um senhor, talvez dono da banca, conversa animadamente com ela. Ou pelo menos tentava, pois ela não dava muita atenção.

Alberto não conseguiu tirar o olhar. A música a tocar dizia assim: “Linda princesa, não aja sempre assim, escrava dos sentidos, procure outra maneira...”. Ficou a pensar: “Rapaz, que mulher mais linda! Mais parece uma princesa de conto de fadas. E se for mesmo? Será que me levaria até o reino dela? Será que me permitiria ser seu príncipe encantado?”.

Elaborou um plano. Quando voltasse da consulta iria conversar com ela. Já tinha pensado em tudo. Seria mais ou menos assim:
- Oi, bom dia. Está precisando de uma carona? Posso te ajudar?
- Oi, bom dia. Estou esperando pelo meu príncipe encantado, que ficou de vir me buscar e ainda não chegou.

- Ora, veja só, isso não se faz. Também posso ser teu príncipe e te levar para casa.
- Mas, senhor, o meu príncipe é loiro e tem olhos azuis, além de ser alto e musculoso.

- Eu posso ser um pouco careca, usar óculos e ter uma barriguinha saliente, mas eu estou aqui e posso te levar para casa.
- Senhor, fico agradecida, mas é longe demais.

- Eu tenho combustível para rodar o país inteiro, se necessário.
- Mas é preciso atravessar lagos e rios para chegar lá.

- Tudo bem, meu carro anda sobre as águas.
- Senhor, deixe de delírios. Isso não existe.

- Princesa, não faz mal, seu reino também não existe e mesmo assim eu quero ficar com você. Você sendo delírio ou não da minha cabeça, não importa.

E ela entraria no velho Fiat Uno, modelo 1994, e eles seriam felizes para sempre, caso ela esperasse por ele...
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terça-feira, setembro 18, 2012

Quando morre um cronista

Quando morre um cronista, a vida e a poesia sentem uma pontada de dor. Uma perda para todos. Um cronista tem diversos tipos de morte. Primeiro, quando não mais escreve. Assim, morre o cronista, permanece a obra. Outra morte é quando ele cai no esquecimento, uma morte mais cruel essa.

O cronista é o observador da vida por natureza. Ele vai contando histórias com base em experiências suas e dos outros, além de colher doces frutos da imaginação. Quando o acompanhamos, parece mais próximo, mais humano. Se publicado em jornal, vamos direto atrás dos textos. Quando em livros, são leituras e releituras ao longo da vida.

No dia 10 de setembro de 2012, o cronista Airton Monte faleceu, vítima de um câncer. Não o conheci pessoalmente e nem por troca de correspondências. As crônicas publicadas em um jornal foram o meio. Apesar de médico, letrista, contista, teatrólogo e mais, pra mim, era cronista por excelência. E ali estava um cronista de verdade, como eu sempre quis ser.

Lembro-me dele falando que farofeiro é farofeiro, seja numa praia local ou na Disneylândia, ou algo do tipo. Lembro também dele falar sobre o cronista parecer um vampiro, ao escutar histórias dos outros, ou algo do tipo. Lembro-me dos almoços de família aos domingos, da macarronada com galinha à cabidela, do vinho, das conversas com Dom Airton.

Lembro-me dele falando com e falando das musas, de poetas, músicos, amigos, romancistas, da mulher amada, da dificuldade em escrever. Sentia como se o conhecesse e fiquei triste e aéreo quando ele faleceu. Sempre quis ser um pouco como ele. Apaixonado, boêmio, culto. Um cronista de verdade.

Quando um cronista morre, as crônicas sobrevivem. As histórias, sentimentos e lembranças também. Tudo eternizado pelo meio de comunicação efêmero por excelência, quando todo dia uma nova crônica precisava nascer, “na base do fórceps”, memória ou criatividade. No gênero considerado “menor” foi onde eu conheci os maiores. Justo seria o jornal ficar mais barato, pois agora a dose de lirismo e poesia diária já não é a mesma...
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“O cronista é um lírico de passagem; se expressa de súbito, ao se deparar com o catalisador da emoção poética” (Davi Arrigucci Júnior, no texto Braga de novo por aqui, no livro Os Melhores Contos – Rubem Braga).

sexta-feira, setembro 07, 2012

Tempo de Olimpíadas

- Olha aí, rapaz, quem apareceu! Grande Otávio! Como é que vai essa força?
- Meu amigo Alberto! Tudo indo tranquilo demais por aqui. Só o Brasil que me tira do sério, mas tudo bem.

- Ah, compreendo, não tá fácil pra ninguém. Essa história de o Brasil ser um país corrupto já deu! Precisamos mudar nossa imagem.
-Bem, eu tava falando das Olimpíadas. Onde já se viu, rapaz? Desempenho sem comentários esse nosso!

- Hum, Olimpíadas, claro.
- Acompanhei tudo que dava para acompanhar. Saía correndo do trabalho, via algumas competições escondidas por lá e ficava em casa devorando tudo sobre a competição. Aprendi tudo sobre vela, pentatlo, ginástica artística e tudo mais. Não perdia nada. Tu tava acompanhando também, né?

- Rapaz, esses dias eu andava meio sem tempo. Chegava a casa tarde e dava só uma olhadinha nas notícias...
- Como é que pode, meu amigo? O Brasil lutando por medalhas e você aí sem dar a mínima atenção? Não viu nossas conquistas e fracassos? Conseguimos algumas glórias, mas em alguns casos foi de ficar com vergonha!

- Então... Lembro de ter visto algumas notícias interessantes no jornal esses dias...
- Sobre os jogos?

- Bem, outro tipo de jogo. De corrupção, onde nós temos sempre medalha de ouro, caso não roubem. Esses dias eu li sobre o julgamento do mensalão. Será que vão mandar os corruptos pra cadeia? Será que vão desmontar o esquema? Li também sobre uma relação entre o tempo de exposição na mídia e a possibilidade de eleição de um candidato. Não sei se isso é verdade, mas é uma amostra da força da mídia e do dinheiro, né? Li, ainda, sobre a questão das cotas nas universidades. Não sei como vai funcionar, acho que preciso ler mais para poder formar uma opinião. O que você acha?
- Eu acho que você só tá lendo besteira. Você tá perdendo é tempo, meu amigo, devia era prestar mais atenção nos jogos... O Brasil disputando medalhas e você aí, sem torcer. Antipatriota. Não se importa com a nação, não é? É cada um que me aparece...
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