Traduzindo

domingo, junho 26, 2011

Eu e a caranguejeira

Foi uma luta épica, com um clima de tensão, traição, sangue e gritos no meio da noite. Bem, pode ser que tenha sido apenas o clima de tensão, tudo bem, mas se não foi épica, pelo menos será mais uma história para contar aos meus netinhos. Foi uma noite inesquecível. Foi uma noite de espantar medos da infância, de vencer obstáculos inimagináveis e realizar a proteção de pessoas importantes. O que aconteceu? Ah, é, verdade, falta contar. Foi assim...

No silêncio da noite, ela apareceu. Li no texto do L.F. Veríssimo que nós conhecemos um homem diante de duas situações: sob a mira de uma arma e para conquistar uma mulher. Acrescento uma: diante de uma caranguejeira. E essa em particular era enorme, tinha mais ou menos meio metro, em cada perna. Se pulava? Era uma mistura de grilo com canguru...

Eu falei dos dentes enormes? Pois sim, mas de trinta, só na parte de baixo. Como aranha não tem dente? Mas que história! A de ontem tinha e pareciam sedentos por sangue. Parecia uma mistura de tubarão com aranha, uma mutante. Congelei num primeiro momento, ao vê-la. Devia pesar uns cinco quilos, no mínimo. E os seus mais de não sei quantos olhos pareciam raiovosos.

Obtive ajuda, mas isso não é demérito. Minha sogra e meu amor deram-me forças enquanto da vizinhança um nobre guerreiro apresentou-se. Sir Khan Phelo, acho que descendente de Genghis Khan ou do Stallone, mas era um bravo. Bravo mesmo, desses que matavam caranguejeira e dragões antes do café da manhã, só mesmo para poder acordar melhor. “Hoje em dia, só umas baratas e moscas e olhe lá”, confessou depois.

Mostrando toda sua técnica aprendida talvez, quem sabe, em Camelot, desferiu um golpe rápido e certeiro em cima da aracnídea, que não teve tempo de desviar. Rápido e mortal, esse é o veneno da Vespa-d- Mar, não o Sir Khan Phelo, pois a danada continuava vivinha da silva. Escondeu-se por baixo de um carro para poder escapar e recuperar as forças. Ficamos de tocaia um tempo, mas desistimos por um momento. Depois de prestar seus serviços, Sir Khan Phelo partiu, para continuar balançando na cadeira, em nossa calçada vizinha.

Voltamos aos afazeres normais, ainda suspeitando de algum ataque surpresa, covarde. Um pouco de televisão para distrair. O clima de tensão ainda pairava sobre nós. A noite não seria tranquila, mas os acontecimentos precipitaram-se e um novo encontro aconteceu. Era o retorno da caranguejeira, ela voltara para o acerto de contas.

Estava indo embora quando ela apareceu, sedenta por vingança. Escorou no muro, queria me encurralar dentro de casa e não me deixar sair. Tensão. Estava preso dentro de casa? Jamais! “Nunca tomará minha liberdade!”, gritei, emocionado, para ela.

O confronto foi rápido e sangreto. Durou apenas umas duas horas. Ficamos nos encarando, como num filme antigo de faroeste. Até aqueles matinhos passaram rolando, tenho certeza. Depois de um certo respeito mútuo entre nós dois, parti para o ataque certo de que não deveria dar chance alguma. O golpe foi mortal. Estava armado do que pode ser considerado a Excalibur dos pobres e indefesos, um rodo semi-novo. Foi preciso apenas um golpe. Fim da luta.

Decidimos cremá-la, pois deveria ser essa a vontade dela, talvez. Fizemos um ritual de acordo com as tradições de alguns índios, para dizer que ela foi uma oponente com honra. E a noite seguiu tranquila. Contarei aos meus netos, com certeza, antes deles descobrirem que as caranguejeiras não produzem toxinas nocivas aos humanos, ou até mesmo que elas não possuem dentes...
=]

domingo, junho 19, 2011

Assalto

- E ele mostrou a arma?
- Mostrou.

- E você fez o quê?
- Oura, olhei, né? E me tremi todinho.

- E ele fez o quê?
- Bom, pra resumir, foi assim. Eu tava esperando o ônibus com meu amor. Aí ele desceu do ônibus e pediu dois reais. Não dei e ele mostrou a arma. Pediu emprestado, isso, emprestado, o celular. Tentou ligar e não dava certo. Ofereci ajuda e vi que ele estava ligando a cobrar. Disse assim: pode ligar normal que tem crédito. Aí ele combinou com os outros 39 ladrões onde iriam se encontrar e pediu para avisar ao Ali Bábá que iria atrasar. Agradeceu e ficou olhando para o celular sem entender bem. Comecei a explicar para ele como funcionava tudo. Como tirava foto, usava música, mandava mensagem. De longe parecia até que eu estava vendendo para ele. Começamos a conversar e ele contou ter vindo ou ter sido mandado do Sul Maravilha, Sampa, por estar muito danado por lá. Tentou se aquietar, mas não deu certo. Tinha acabado de vir de um assalto, alguém os dedurou e ele teve de fugir. Pegou o primeiro ônibus que apareceu e nos encontrou.

- E ele tava assim tão tranquilo?
- Até tava, graças a Deus. Acho que só não mais do que eu. Eu tava tão tranquilo que ele chegou a me perguntar se eu era policial. Frieza pura. Controle. E conversamos mais um pouco. Disse para ele ter cuidado com a arma, pois pela área passavam muitos policiais, o que era mentira, porque é mais fácil ver vaca dançando break no asfalto a um policial.

- Nossa. E ele levou só o celular?
- E foi só o celular mesmo, só o aparelho. Enquanto conversávamos, disse que eu poderia levar o chip. Acredito até que se tivesse pedido para ele não levar o celular, ele não teria levado. Quem sabe me dava até o dinheiro do meu ônibus?

- Ah, deixa de ser palhaço!
- Mas esse dia foi tranquilo, da outra vez uma dupla apontou a arma pra gente. Fiquei extremamente indignado! Fizeram meu amor chorar. E ainda nos apontaram uma arma! Uma arma! Enfim, foi uma porcaria, mas deu tudo certo, estamos vivos e felizes e isso é o que importa!

- E como chegamos nesse assunto mesmo?
- Ontem um amigo meu dizia que camburão não era transporte digno para presos.

- E você acha que é?
- Mas rapaz! E bandido tem direito a alguma coisa? Bandido bom é bandido morto!

- O que é isso rapaz? Como assim? Todo mundo merece uma segunda chance! E os direitos humanos? Somos todos irmãos.
- Mas que irmão de bandido o que, rapaz! Tu fala isso porque não foi contigo. Tu acha mesmo que meu irmão faria um negócio desses comigo? Se bem que Caim matou Abel, ou foi o contrário, bem, não importa. Pois sim. É fácil falar quando não se passar pela situação. E esses direitos humanos de direito e de humano não tem nada! Só fica do lado dos bandidos ora... Policial morre e nada dele, aí o bandido morre e vem o direitos humanos. Isso tá errado.

- Mas eles são vítimas! A culpa mesmo é do sistema. Eles não têm oportunidades e acabam indo pro mundo do crime.
- Mas não é assim não, mas que história é essa! Tudo bem, o sistema é do mal, prejudica muita gente, tem muita culpa no cartório, mas não é bem assim não. Se fosse assim, todo pobre era ladrão, e como tem muita gente pobre no nosso país, seríamos uma nação de ladrões! Esses optam pelo caminho mais fácil.

-Você está dizendo besteira, não é fácil roubar ou matar alguém.
- Cara, hoje em dia estão matando pra roubar um celular, uma chinela ou até mesmo nem roubar nada. Não dão o mínimo valor pra vida. Tu acha mesmo mais fácil tentar sustentar uma família com um salário mínimo? Sustentar não sei quantas pessoas com um salário mínimo? Tu acha que é fácil ser honesto e trabalhador num país em que os maus exemplos são maioria? Num país cheio de corruptos que ficam com a maior parte das nossas riquezas?

- Mas eles são vítimas...
- Vítimas somos nós nas mãos desses marginais! E dos políticos também, que não fazem nada! Nada! Eu passo a semana trabalhando, pegando não sei quantos ônibus, fazendo os trabalhos mais diversos, aí vem um cara desses, bota arma na cabeça e ainda chama a gente de vagabundo, vagabundo! Nós? Que passamos a semana trabalhando? É brincadeira...

- Olha, desculpa, mas se você se acalmar e refletir melhor vai ver que não é sensato sair matando bandido por aí que isso não resolve nada. O problema não se resolve assim...
- Certo, perdi a cabeça. Foi-se o tempo da Lei de Talião. Retiro a parte de sair matando bandido por aí, mas é porque é muito revoltante. Eu sei que o problema se resolve com educação, oportunidade de emprego e tudo mais. Certo, eles são vítimas, como nós, desses governantes corruptos. Ao invés de querer acabar com os bandidos com a morte, vamos usar a educação!

- Os dois! Calados! Isso é um assalto! Tirem as coisas do bolso, rápido! E nada de gracinhas, eu não quero ver nenhum herói.
- ...
- ...
=]

sábado, junho 11, 2011

Conhecer

Engraçado, algumas pessoas possuem uma incrível capacidade de aparecer e conquistarem um espaço, um carinho e confiança como se fossem há tempos conhecidas! São pessoas feito furacão, aparecem e pronto! Como explicamos isso? Não explicamos, apenas aproveitamos a companhia.

Esses dias eu tava pensando na história de que tudo acontece quando tem de acontecer. Um tempo desses, eu tava tão sem dinheiro que quase cheguei a cobrar aluguel dos cravos que habitam meu nariz, pensei até mesmo em vender algumas revistas em quadrinhos e cartões telefônicos, tesouros da infância e adolescência. Hoje em dia já tenho uns trocados para garantir o açaí gelado nos dias de praia, enquanto há tempos ia para lá e levava apenas a grana da passagem. E olhe lá. E continuo com as revistas e cartões (e cravos) e ficaria muito triste se tivesse me desfeito deles (menos dos cravos).

Incluo “no acontece quando tem que acontecer” as pessoas que conheço. Enrolei anos para fazer meu curso de italiano, por exemplo, e hoje já não me imagino sem os amigos que fiz por lá. Alguns amigos aparecem e desaparecem, mas nem por conta disso deixam der ser queridos. Acho muito legal também as “cadeias de amizades”. Uma pessoa conhece outra, amiga, e, depois, o amigo, depois, a amiga e por aí vai... E devo muita coisa a uma certa cadeia de amizades...

Algumas pessoas conversam durante anos em ônibus, trens e lugares outros sem nem mesmo conhecerem o nome uns dos outros. Existe aquela conversa sem objetivo, nem conversa deve ser. Ás vezes são apenas “oi, tudo bem”, “olá”, “bom dia” e nada mais. Outros conversam a vida toda, sabem nome, CPF, quanto calçam e tudo mais, mas não sabem de nada. De nada. Conversas rasas. O legal é que ao mesmo tempo existem pessoas pras as quais a gente se entrega total. Conta todas as alegrias e todos os medos. Confiança. Deve ser esse o nome.

Eu gosto das nossas conversas, pois alternamos sérios assuntos, como crimes, problemas nacionais e a péssima administração municipal, e coisas mais leves, como desenhos que marcaram a infância, dor de barriga, casamento do príncipe inglês e sonhos malucos.

Engraçado que quando tu apareceu, eu não te conhecia. Não? Então por qual motivo eu fiquei extremamente feliz por te ver? Por qual razão eu fiquei triste ao pensar que teu primo era teu namorado? Por que eu fiquei feliz ao te ver voltando ao terem desistido de ir embora? Eu podia até não te conhecer nessa vida, ainda, mas eu tenho certeza: somos amantes desde outras vidas. Namoramos, casamos, tivemos filhos e fomos felizes em outros tempos, outros lugares. E é assim que vai ser agora, como nas outras vidas, ficaremos juntos, prassempre.

Meu amor, o teu sorriso é capaz de fazer o mundo parar de girar só para contemplá-lo junto comigo. O teu sorriso, amor, o teu sorriso, brilha no escuro assim como os teus olhos...
=]